Para escrever, é preciso coragem. Toda pessoa que escreve sabe que isso é uma verdade incontestável, não porque somos corajosos, mas porque escrever nos força a encarar toda sorte de sentimentos. Sentar frente a frente com a implacável resistência das palavras, suportar o eco que elas produzem e acreditar na força perene que elas possuem.
É preciso coragem para persistir no exercício da escrita, como qualquer atividade que exija repetição. E como a repetição por vezes cansa, há dias em que a gente procrastina, que faz outra coisa ou que deita no chão e fica olhando para o nada a contemplar…
"Digo a todos os repórteres que não me sinto um escritor: que sou só um ser humano procurando um jeito de viver. E que talvez esse jeito seja escrever, sei lá. Meu livro está quase pronto, deverá ser lançado em breve. Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que eu escrevi." (Três vezes Hilda: Biografia, correspondência e poesia, por Hilda Hilst, Caio Fernando Abreu, Ana Lima Cecilio)
Encaro o exercício da escrita como uma prática plural. Espalho, distribuo, salpico e divido a prática com as palavras durante os dias e horas, de modo que ela sempre esteja presente. Gosto de diversificar os meios em que escrevo, tem o momento do caderno, tem o papel solto, tem as notas de celular, tem os arquivos no computador, tem os textos em redes sociais… São camadas de palavras sobre mim mesma, como fossem o tecido de minha pele, cada uma com sua função própria e também com a função principal: produzir contorno ao corpo que se desloca e que produz mundos.
“Escrevê-lo tinha sido ao mesmo tempo um tormento e um alívio, como tirar uma faca do próprio peito: ele não queria fazê-lo, mas sabia que, se a deixasse ali, a dor a longo prazo seria maior. (...) para ele, a linguagem era uma arma, uma primeira linha de defesa - ele podia não ser corajoso, mas com certeza era ranzinza. O fato, disse ele, é que uma vez que você é escolhido, uma vez que reparam em você, nunca mais você consegue caber de novo dentro da sua caixa.” (Rachel Cusk, Trânsito)
Gosto de pensar que meu traço ranzinza, como na personagem de Trânsito, me faz ser corajosa. É uma teimosia que mora no peito, uma necessidade que coça a ponta dos dedos e que me traz até esse texto para conversar com vocês.
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