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O corpo da poesia

Este texto foi publicado originalmente no blog da Margem Editora, em 17 de março de 2022.




escrever


como se isso pudesse enfim me salvar do que tanto acredito escapar.




escrever


já faz tanto tempo que me arrasto pelo corredor


que perdi a referência de hora minuto dia ou noite


como se fosse infinita a vida que me habita


como se fosse calma e contida


a emoção de me perceber viva.


se eu soubesse ao menos tirar daqui de dentro


a carne que me compõe, mas que também já apodreceu


como se eu pudesse amputar o sentimento de não pertença


e a vontade infinita de ser amada.




escrever


ser incongruente na fala e nas palavras que registro


aqui, ali, em todo lugar


como se ao registrar num léxico


eu alcançasse a liberdade de ser


como se ao rabiscar essas palavras letras espaços


eu me permitisse a coragem de perder o controle.




escrever


um modo de registrar estes pensamentos-flexas


que me atravessam, me machucam e também me suportam.


se eu contasse a vocês o que se passa do lado de dentro,


talvez eu não precisasse fugir


- porque vocês já́ teriam corrido primeiro.



escrever


como se ao me afastar de tudo e todos


eu parasse de tentar ser aquilo que não suporto


e, então, poderia vagar por todos os espaços


sem me sentir perdida, apenas sem direção.



escrever


como um modo antigo, tosco e quase inocente de sobrevivência


ser frágil em toda intensidade que o papel e caneta permitem.




escrever


pois aqui tenho-me inteira


e ninguém precisa levar se não for levar tudo.



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